A professora e doutora em teoria literária Ana Paula dos Santos Martins acaba de lançar o livro “O Fantástico e suas Vertentes na Literatura de Autoria Feminina no Brasil e em Portugal”, pela editora Edusp (400 páginas). A obra traz uma análise comparativa sobre a perspectiva de gênero como forma literária e também como construção cultural e de papéis sociais exercidos por homens e mulheres, nos próprios contextos nacionais. A autora se debruça sobre as ficções de escritoras marginalizadas nos estudos literários e debate procedimentos estéticos com posturas transgressoras em relação à tradição canônica e hegemonicamente masculina. A convite do blog do Sebo Capricho, a pesquisadora fala um pouco sobre esse gênero literário, conta porque escolheu pesquisar o tema e, como já é tradicional no nosso espaço, dá dicas de livros do estilo que ela gosta e recomenda. Licenciada em Letras - Português e Inglês pela Universidade Federal de São Carlos, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, Ana Paula dos Santos Martins tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria e Crítica Literárias, em especial em estudos que envolvem literatura feita por mulheres no Brasil e em Portugal, gênero, memória, representação e literatura fantástica e suas vertentes. Ana Paula conta que seu primeiro contato com a literatura fantástica “propriamente dita” de autoria feminina foram os contos de Lygia Fagundes Telles e Marina Colasanti, duas grandes escritoras brasileiras. “O que mais me chamou – e ainda chama - a atenção refere-se àquilo que não está evidente, que escapa ao nosso olhar viciado pelo cotidiano, e que surge nos contos como revelados por uma outra visão, por um discurso de duas vozes, uma dominante, outra silenciada”, diz. Lygia Fagundes Telles, aliás, é o tema dos estudos de Ana Paula sobre literatura de autoria feminina desde a graduação. “Desenvolvi meus projetos de mestrado e doutorado sobre a mesma escritora, sob vieses diferentes, mas sempre privilegiando as personagens femininas, que constituem retratos de uma determinada época, além de me questionar sobre o que significa ser uma mulher escritora em um país cujo cânone ainda é dominado por nomes masculinos”, provoca. Ela conta que, ao longo do doutorado, ao reler toda a obra da escritora paulistana, sentiu-se curiosa para descobrir quais seriam as outras escritoras que produziram e/ou produzem literatura fantástica em língua portuguesa, com recursos típicos, utilizados ou não como estratégia feminista, e esse foi o mote para o projeto de pós-doutorado, que resultou no livro. Segundo ela, a literatura fantástica e suas vertentes de autoria feminina no Brasil e em Portugal é uma produção duplamente marginalizada pelos estudos literários. Na maior parte dos textos que têm lido, os procedimentos estéticos adotados se articulam com posturas transgressoras no trato das protagonistas femininas, com a inversão de padrões, a alteração dos pontos de vista, como um ato político e de sobrevivência, inclusive, da mulher como escritora. “Por essas razões, considero extremamente relevante que se conheça ou se re-vise essa produção, isto é, que se leia com um novo olhar essas narrativas, especialmente quando diversos tipos de discursos de ódio e o aumento dos casos de violência contra as mulheres podem ser identificados na sociedade contemporânea, especialmente na nossa”, diz. Ana Paula acredita que os jovens ou novos leitores possam se interessar pela literatura fantástica e suas vertentes de autoria feminina justamente pela maneira como as autoras tratam de questões que envolvem não apenas as protagonistas femininas, mas também as relações sociais, afetivas e familiares em que essas e outras personagens estão inseridas. As narrativas, segundo ela, são um convite para perceber tais relações e compreender o nosso tempo por um outro olhar, o qual problematiza e questiona estereótipos, comportamentos preestabelecidos como a figura feminina por muito tempo retratada como um ser submisso, frágil, dependente e passivo, especialmente em textos escritos por homens, embora nem sempre um texto escrito por mulher promova esse tipo de reflexão e/ou subversão. “Enfim, creio que as gerações mais jovens se interessem por essa produção ficcional justamente pelo desvendamento de tentativas de silenciamento de personagens que representam minorias ou grupos historicamente marginalizados presentes nessas narrativas, assim como a subversão operada pelas personagens femininas, a desnaturalização de estereótipos e a “violação de normas” impostas por uma sociedade machista e patriarcal, cujos resquícios ainda se fazem presentes em nossos dias. Os títulos que sugiro abaixo são uma excelente porta de entrada nesse universo ficcional. Sugiro cinco títulos que abrangem o fantástico e suas vertentes, como o realismo mágico e o maravilhoso, em sua maioria, escritos a partir de uma perspectiva feminista: Coletânea com contos incríveis de diversas escritoras portuguesas da segunda metade do século XX. Romance em que história, memória individual e imaginação ajudam a compor a protagonista, que pelo ato de contar histórias, se constitui e constitui um retrato a partir do qual muitas mulheres se identificam, em aspectos variados. Livro que reúne contos da escritora marcados pela presença do insólito e do sobrenatural. Romance ainda pouco conhecido no Brasil, é constituído por uma narrativa histórica e realista mágica, em que a memória e a intertextualidade são alguns dos recursos adotados pela escritora para a construção da personagem Lillias Fraser, sob uma perspectiva feminista. O volume reúne todos os contos maravilhosos da escritora, em que as personagens femininas, donas de seu próprio destino, têm destaque central. Há também outras escritoras como as portuguesas Ana Teresa Pereira e Lídia Jorge, e as brasileiras Andrea Del Fuego e Augusta Faro (autora por mim analisada em meu livro), que têm produzido textos fantásticos e realistas mágicos que valem a pena ser lidos. Artigos publicados pela Profa. Dra. Ana Paula S. Martins MARTINS, Ana Paula S. Entre espelhos, máscaras, palcos e memórias: o jogo da representação em As horas nuas, de Lygia Fagundes Telles. Estudos De Literatura Brasileira Contemporânea, (56), 1–16. https://doi.org/10.1590/2316-4018567 MARTINS, Ana Paula S. Testemunhando a história em As horas nuas. Interdisciplinar – revista de estudos de língua e literatura. Itabaiana: UFS, v. 18: Ano VIII - jan-jun de 2013 | Edição Especial 90 anos de Lygia Fagundes Telles. Capítulos de livros: MARTINS, Ana Paula S. Reescrita, re-visão e quebra da hegemonia discursiva masculina em uma narrativa maravilhosa de Marina Colasanti. In: ROSSI, Cido; SYLVESTRE, Fernanda. (Org.). O fantástico como textualidade contemporânea. Uberlândia: Edibrás, 2019, v. 1, p. 89-118. MARTINS, Ana Paula S. Medo e relações de gênero em uma narrativa fantástica de Maria Teresa Horta. In: GRAZIOLI, Fabiano (org.) A expressividade e subjetividade da literatura. Ponta Grossa, PR: Atena Editora, 2019, p. 24-32.Primeiros contatos com a literatura fantástica escrita por mulheres
Produção marginalizada
Literatura fantástica para jovens leitores
Cinco livros de literatura fantástica escrita por mulheres
Fantástico no feminino
Eva Luna- Isabel Allende
Mistérios – Lygia Fagundes Telles
Lillias Fraser - Hélia Correia
Mais de cem história maravilhosas- Marina Colasanti
Para saber mais